O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB) enviaram um documento à Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa (SMS) solicitando ação imediata para cumprir a Recomendação nº 01/2024, emitida recentemente, especialmente no que se refere ao atendimento urgente de pacientes com leucemia.
Apesar da SMS expressar interesse em seguir a recomendação, até o momento, limitou-se a criar um grupo e uma comissão, além de contratar dois médicos fiscais, sem adotar medidas concretas para atender os pacientes desassistidos pela falta de uma regulação adequada. Comprometeu-se apenas a desenvolver um plano de fiscalização em sete dias.
A SMS também informou que o Hospital Napoleão Laureano (HNL), responsável por atender 70% da demanda estadual, não tomou todas as medidas necessárias após ser notificado, resultando na abertura de um procedimento administrativo por quebra de contrato. O MPF e o MPPB alertaram que simples processos de responsabilização não garantem o direito desses pacientes em risco de danos à saúde e morte.
Na recomendação, os Ministérios Públicos destacaram o descumprimento de uma decisão judicial que ordenou ao município socorrer pacientes não atendidos pelo HNL, com custos cobertos pela União. Ressaltaram também a possibilidade de medidas judiciais adicionais em favor desses pacientes.
União e Estado da Paraíba
O Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) aceitou a recomendação, comprometendo-se a monitorar a crise na oncologia na Paraíba. O MPF e o MPPB deram prazo adicional para a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde se manifestar e reiteraram o pedido de posicionamento da Secretaria de Estado da Saúde (SES) sobre a recomendação, especialmente no que diz respeito à coordenação da rede estadual de oncologia.
Solicitaram ainda que o Conselho Regional de Medicina (CRM) investigue e acompanhe a situação dos pacientes em espera, principalmente os casos urgentes.
Demanda reprimida
Durante as investigações, os MPs constataram que a SMS não estava seguindo as orientações do Denasus para assumir completamente a regulação dos atendimentos oncológicos na rede local. O HNL ainda controlava o agendamento de consultas, resultando em esperas indefinidas. A SMS não possuía informações sobre a quantidade de pacientes aguardando atendimento e atrasos no início dos tratamentos.
Após a CGU apontar obstrução da SMS à fiscalização, o MPF e o MPPB inspecionaram o HNL em fevereiro e encontraram dezenas de pacientes e familiares aglomerados, buscando senhas de consulta. Cerca de 139 pacientes aguardavam agendamento, com demora de até 180 dias. Dez pacientes com leucemia aguda não conseguiam agendar consulta por suposta falta de vagas de internação, sem aviso à SMS. O HNL informou o início do tratamento de apenas um desses casos urgentes até o momento.
O MPF e o MPPB constataram que os aproximadamente 85 pacientes que conseguiram agendar consultas para março e abril estão enfrentando violações graves ao direito de atendimento no prazo legal de 60 dias, com esperas de até 300 dias. Não há controle efetivo do tempo de espera, como requer a lei.
Os MPs recomendaram à SMS ações imediatas para agendar consultas e cumprir o prazo legal de início de tratamento, priorizando os casos urgentes. Também sugeriram a busca ativa de outros pacientes, utilizando formulários nas redes sociais.
Versões conflitantes
A direção do HNL alega ter atingido o limite contratual de atendimentos e responsabiliza o Município de João Pessoa pelos pacientes não atendidos. Ressalta também que os pagamentos do SUS não cobrem seus custos, necessitando de mais recursos públicos.
A equipe da SMS afirma que o HNL não atingiu o limite para consultas, portanto, não deveria impedir o acesso dos pacientes. Alega desconhecimento da alta demanda identificada e destaca repasses extras de mais de R$ 15 milhões em emendas parlamentares federais e municipais apenas em 2022 e 2023. No entanto, o hospital recusou-se a ajustar os planos de trabalho para receber mais recursos de emendas parlamentares.
A CGU aponta diversas irregularidades do HNL, incluindo cobranças indevidas para acesso prioritário e tratamentos iniciados sem autorização da SMS, violando a isonomia do SUS.
O MPF e o MPPB salientam que pacientes em risco não podem ser prejudicados enquanto a SMS não resolve questões com a fundação privada, para a qual deveria ter supervisão rigorosa.
Gestão deficiente – Os MPs apontam no documento que, enquanto os pacientes aguardavam sem perspectiva de início de tratamento, o hospital recebia aportes milionários de emendas parlamentares sem metas claras de redução de filas ou agilização de atendimentos.
Para os Ministérios Públicos, destinar recursos de emendas parlamentares apenas para cobrir custos elevados, principalmente de pessoal, é inadequado quando mais de 200 pacientes têm seu direito de acesso ao tratamento violado.
Um relatório independente dos MPs, com representantes dos Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e Medicina, encontrou irregularidades na gestão do HNL, como falta de atenção a ferramentas básicas de gestão, descontrole de gastos com contratos de serviço e assumir dívidas imprudentes.
Sobre a alegação de defasagem na tabela SUS e limites contratuais, o HNL não apresentou comprovação de que sua crise financeira resultou principalmente desses fatores, segundo auditoria independente dos MPs.
Taxas de mortalidade
A CGU destacou que o HNL possui o maior percentual de óbitos de pacientes oncológicos em internação na Região Nordeste. Detectou também erros de medicação, prontuários incompletos e atrasos injustificados nos tratamentos.
O HNL justifica a situação com a situação financeira e socioeconômica do estado. A CGU comparou estabelecimentos na região nordeste com cenário socioeconômico semelhante.
A CGU revelou que, dos 2.351 pacientes oncológicos internados na Paraíba em 2021, 40,41% faleceram durante ou após a internação, quase o dobro da média geral de 23,02%. No entanto, ressalta a necessidade de uma investigação mais precisa dos fatores causadores desses óbitos pós internação.
Em 2019-2020, o CRM apontou aumento da mortalidade por neoplasias na Paraíba e em João Pessoa entre 2011 e outubro de 2019.
Intervenção judicial
A situação precária do HNL levou o MPF e o MPPB a moverem a Ação Civil Pública nº 0810457-22.2020.4.05.8200 em outubro de 2020, buscando intervenção judicial e a liberação de recursos de emendas parlamentares somente após avaliação financeira. Após recursos, o TRF5 determinou o prosseguimento do processo na Justiça Federal em abril de 2023.
O MPF e o MPPB aguardam o retorno do processo para apreciação dos pedidos. Ressaltam que somente com intervenção judicial será possível regularizar os atendimentos e investigar as causas profundas dos elevados custos e falhas no atendimento pelo HNL, considerando especialmente a grande demanda represada sem controle da SMS.