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Mulheres que pariram negócios

Reportagem especial retrata possibilidades e desafios de paraibanas empreendedoras

Foto: Nelsina Vitorino
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Campina Grande – Quarto pronto, gavetas vazias. Quando o segundo filho da ex-pedagoga Monaliza Amorim nasceu, foi difícil vesti-lo. O bebê não tinha nenhuma peça de enxoval. O parto foi antecipado, ainda aos seis meses de gestação, pelo que a obstetrícia chama de “bolsa rota” – quando a membrana que protege o bebê no útero se rompe antes do tempo. Mateus nasceu prematuro extremo, mas a Boutique Très Beau – negócio que nasceu junto à nova maternidade de Monaliza – veio no tempo certo.

“Na pré-pandemia, não existia atendimento via WhatsApp. Eu precisava de repouso absoluto e não tinha como comprar as coisas dele. Então meu filho acabou nascendo sem nada. E eu pensei: ‘um dia, quando eu puder, vou criar um atendimento humanizado de qualidade para as mães que não podem ir até a loja comprar”, recorda a empreendedora.

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Foi o nascimento de Mateus que fez Monaliza parir também o seu pequeno negócio. Ela era formada em pedagogia e atuou em sala de aula por 10 anos, mas nas recordações das brincadeiras de criança estava a semente de um antigo desejo: empreender.

Foto: Nelsina Vitorino

“Tenho fortes lembranças das minhas brincadeiras com a Barbie indo de carro para ser uma mulher de sucesso em seu negócio. E quando tive meu filho, entendi que era a oportunidade. A ideia não saía mais da minha cabeça: ter um negócio voltado para as mamães grávidas. Fui em busca desse sonho, sem medo, com R$500 na bolsa. E, hoje, sustentamos quatro famílias”, conta.

De um pequeno espaço, apertadinho e com pouca luz, nos fundos da loja, enxovais personalizados ficam prontos para serem enviados a famílias de todo o Brasil que estão à espera de um novo integrante. Para fazer o sonho da Boutique Très Beau acontecer, “coragem já tem nome de mulher”. A descrição de um certo poeta ilustra bem a parceria que veio a seguir.

A mulher é dona Socorro, tia e madrinha de Monaliza, e também quem comanda as agulhas. “Nossa parceria começou no ramo de acessórios para pet. Depois de certo tempo, Mona engravidou e por tudo que aconteceu, mudamos para o segmento de enxoval para bebês e foi o primeiro enxoval, o de Mateus, que foi o responsável por este sucesso”, afirma.

Para Socorro, a parceria com a sobrinha funciona pela disposição de fazer as ideias fluírem. “Mona é uma profissional talentosa, está sempre disposta a ir além e está sempre procurando novas maneiras de melhorar a nossa parceria com abordagem positiva, motivadora e assim ela torna a nossa rotina muito mais agradável. Muitos empecilhos aparecem, mas ela tira de letra rapidinho. E assim seguimos. Acredito que o maior sucesso que podemos alcançar é aquele que você chega ao topo ao lado das pessoas que viveram o crescimento juntas”.

Negócios que nascem com os filhos 

O nascimento do empreendedorismo com a chegada dos filhos não é uma história única.  Monaliza não está sozinha e nem é um caso isolado. Segundo pesquisa da Gestão Estratégica e Inteligência do Sebrae Nacional, 62% das mulheres afirmam que a necessidade de cuidar dos filhos influenciou muito na decisão de abrir seu próprio negócio.

Foi o que aconteceu com Rafaela Ramos. Há sete anos, ela morava em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba, e foi no quarto dos filhos que improvisou o primeiro estoque da sua loja de pijamas. Os produtos dividiam espaço com os brinquedos e itens pessoais de Artur e Benjamim. A Ninar Delivery já havia sido gerada no coração de mãe, mas foi a chegada de Benjamin que gerou a  atitude empreendedora.

“Quando comecei, as peças ficavam no quarto dos meus filhos. Depois, o estoque foi aumentando e levei para a sala de estar. Era tudo junto e misturado e isso me incomodava, às vezes, porque nunca conseguia deixar o apartamento com cara de lar”, lembra.

Foto: Nelsina Vitorino

A gestão e as dores do empreender

Não era apenas no universo infantil do quarto dos meninos que o improviso acontecia. Rafaela conta que amava vender, mas tinha pouca maturidade para a gestão financeira. Conforme aprendia a maternar o segundo filho, descobria as exigências do terceiro, o seu negócio.

“Quando Benjamin tinha três meses, eu dei o primeiro passo e fiz a primeira venda. Na época, eu não entendia de gestão. Conhecia as clientes, ia até a casa delas, fazia as vendas, e elas iam me pagando parcelado. No dia que eu ia fazer as vendas, mostrar as peças, ia ‘morta’ de feliz. Mas por não ter conhecimento de como gerir o dinheiro e sem me dar conta, eu fali a loja antes mesmo do meu filho completar um ano”, conta.

Já para Monaliza, foi desenvolver a mentalidade empreendedora que lhe exigiu mais esforço. “Meu maior desafio foi aprender a ter calma, paciência e desacelerar. Apesar de eu ser tipo ‘sangue no olho’, de querer as coisas para ontem, aprendi que a vida de quem empreende é isso, é viver o caos. Um dia, você vende muito. Aí, você passa uma semana sem vender. Na outra semana, você vende muito. E é isto: você vai se acostumando com esse universo”.

O trabalho do cuidado interfere na performance

Assim como criar filhos, desenvolver um negócio é uma caixinha de surpresas. E, para as mulheres, equilibrar os caminhos é cortar na própria carne como demonstra pesquisa da  

Gestão Estratégica e Inteligência – Unidade do Sebrae Nacional. De todo o volume de negócios na Paraíba, apenas 32% (154.368) são tocados por mulheres, mas 79% delas se sentem sobrecarregadas por terem de cuidar da empresa, dos filhos ou das crianças ou dos idosos ou dos parentes ao mesmo tempo.

Na mesma pesquisa, 79% das mulheres entrevistadas disseram acreditar que o tempo dedicado à família corrobora com as maiores dificuldades que elas enxergam para ter um negócio. E 63% já deixaram de fazer algo para si ou para a empresa para cuidar de outras pessoas da família.

  • 3,4 horas – é o tempo médio que mulheres habitualmente despendem cuidando de

pessoas da sua família;

  • 2,9 horas – é tempo médio que mulheres despendem com os demais afazeres domésticos.

O sentimento descrito na pesquisa faz parte de um problema estrutural simbólico sobre o que socialmente se considera o “lugar da mulher”, como destaca a doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, Cynthia Brasileiro. “A minha visão é de que existem muitos fatores a serem analisados. Eles são de ordem histórica, estrutural, política e principalmente simbólica. Nós temos um conjunto de gargalos históricos que nos coloca na marginalidade enquanto mulheres. Quando nós, ocupamos lugares de liderança, empreendemos, e/ou chefiamos somos movidas por muitos sentimentos: a felicidade da conquista e a angústia da renúncia. Porque a sociedade não diz para mulheres que elas podem conquistar sem culpa, como diz aos homens”, provoca a pesquisadora. 

Brasileiro tem desenvolvido, entre outros temas, pesquisas relacionadas a gênero, violência de gênero, mídia e política. E é justamente a ausência de políticas públicas que colabora com os degraus quebrados na escada de acesso ao sucesso das mulheres. 

“Nós temos pouquíssimas instituições e políticas públicas para amparar mulheres que maternam, que cuidam, existe sempre para nós uma pergunta latente: a quem nós vamos terceirizar as nossas atividade do lar e do cuidado? Geralmente a outras mulheres. O Estado, as políticas públicas, o aporte jurídico tem caminhado na direção de construir cada vez mais uma discussão que equilibre tantas desigualdades. Mas nosso maior desafio é identificar nas estruturas simbólicas, na cultura, na educação os caminhos para descolonizar esse pensamento enraizado de que nós mulheres só administramos bem o lar. Somos exímias líderes, gestoras e empreendedoras quando temos equipamentos, recursos, condições estruturais e favoráveis para executar atividades”, reflete a cientista social.

Foto: Nelsina Vitorino

Raio-x dos pequenos na Paraíba 

Numa descuidada passada de vista, eles parecem fazer jus ao nome, mas na Paraíba os Pequenos Negócios – que compreendem os Microempreendedores Individuais (MEI), as Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) – representam uma fatia relevante no cenário de empresas abertas.

Um dado que pode ajudar a entender a importância dos microempreendedores para o nosso Estado é aquele que segmenta as empresas por porte. Então, aqui na Paraíba, cerca de 95% das empresas são classificadas como de pequeno porte, em torno de 4% de médio porte e 1% de grande porte, sendo que esse 1% de grande porte absorve quase 40% da mão de obra ou da força de trabalho”, detalha o economista Cássio Besarria. 

Ele desenha o perfil comportamental desse setor. “Algumas características do microempreendedor devem ser ressaltadas: são empresas que ainda têm algumas restrições de acesso ao crédito; são aquelas em que o fluxo financeiro é o mensal, então utiliza-se aquela renda mensal para se fechar as contas, mas que são negócios com  grande importância no nosso Estado por esses números já apresentados”, pontua o economista.

Era o que Rafaela fazia até quebrar. “Eu parei por uns 5 meses a ideia da loja. O tempo coincidiu com uma fase em que meus filhos adoeciam bastante. Quando retornei, fui tendo o cuidado de anotar absolutamente tudo, porque entendi que só poderia ter um diagnóstico do meu negócio, saber se estava dando certo ou não, se tivesse dados para analisar”, conta.

Do ponto de vista de planejamento estratégico, o economista Cássio Besarria destaca o que é relevante no processo de implementação de negócios semelhantes. “O povo paraibano por natureza é empreendedor. No entanto, qualquer que seja o empreendimento que pretende ser lançado precisa ser pautado em estudos técnicos preliminares como análise de mercado, análise de viabilidade do produto que será oferecido e o local em que o empreendimento será estabelecido. Mas a realidade dos microempreendedores é que essas decisões nunca são pautadas nessas análises. São pautadas na necessidade de se implementar o negócio o quanto antes e conforme as condições dispostas ali para aquele momento”, avalia.

Elas estão na moda

Na Paraíba, o segmento de moda tem um destaque indiscutível no universo dos MEI e representa 74,73% destes, mais de 12 mil ao total. O comércio de moda envolve 16.836 empreendimentos no Estado, e 84,25% deles estão no varejo, ou seja, na linha de frente com o consumidor.

E foram as horas de livre demanda no malabarismo entre maternidade e negócio que deram à Monaliza e Rafaela uma visão mais refinada do que é empreender. Negócios que foram motivados por desejos pessoais, em momentos semelhantes, mas que funcionam em universos diferentes. Um físico, outro on-line. Elas não se conhecem, mas para a visão de futuro dessas marcas se tornar realidade, o investimento é no ponto de contato com o cliente. 

“Cinco anos atrás eu diria que queria ter uma rede de lojas, mas hoje eu digo que quero ampliar meu atendimento para manter o padrão do meu cliente. Minha loja não fica no Centro, não tem aquele entra e sai. Eu gosto quando a cliente vem até a loja e a gente conversa e eu conheço a vida dela, sei o nome dos filhos dela. É uma intimidade que eu não quero perder”, conta Monaliza.

Para Rafaela, a comunicação é ainda mais crucial, já que a loja não tem espaço físico e as clientes não conseguem tocar na peça antes da compra. “Eu trabalho com produtos de excelência e sei que se a mãe tivesse oportunidade de tocar na peça, ela pagaria o dobro ou o triplo, mas hoje o que eu mais quero é ter pessoas que trabalhem comigo de forma interna, porque fazer o que está aparecendo nas redes sociais e também todos os bastidores, dá um trabalho desumano”, assume.

Elas encontraram o seu “porquê”

Por sonho, por necessidade ou por terem vivido uma dor que gostariam de resolver, as mulheres que mostraram o coração nesta reportagem representam orgulhosamente a bravura e a resistência da jornada microempreendedora materna.

Mulheres que carregaram no colo as dores e as delícias de fazer a economia girar, enfrentando o “teto de vidro” de barreiras estruturais de gênero e, hoje, já sustentam empreendimentos com duração mais que superior ao tempo médio de vida das empresas paraibanas.

Enquanto mais da metade dos CNPJs finalizam suas histórias aos três anos, Rafaela e Monaliza com seus sete e seis anos de estrada, respectivamente, cuidam de superar os obstáculos com a maestria de terem cultivado internamente os seus “porquês”.

Elas encontraram na própria trajetória, a coragem para fazer das vendas não apenas um movimento de “escambo” entre quem vende e quem compra. Mas com seus repertórios de vida e sensibilidade, acessaram a necessidade de outras mães e se dedicam a proporcionar uma experiência encantadora aos clientes.

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