O Ministério Público da Paraíba (MPPB) requereu e o Juízo da 4ª Vara Cível de João Pessoa declarou a ilegalidade da cobrança administrativa feita pela Energisa Paraíba aos consumidores de energia solar, em relação aos valores retroativos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) referentes ao período de setembro de 2017 a junho de 2021.
Com isso, a distribuidora de energia elétrica foi condenada a se abster, em caráter definitivo, de cobrar; de incluir os nomes de consumidores em cadastros restritivos de crédito ou de suspender o fornecimento de energia elétrica em razão do não pagamento dessa cobrança administrativa retroativa, considerada abusiva nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A Energisa Paraíba também foi condenada a restituir em dobro e com a devida correção monetária todos os consumidores de energia solar que efetuaram o pagamento dos valores cobrados indevidamente; a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, que deverão ser revertidos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FEDC); a pagar as custas processuais e a garantir que seus canais de atendimento e sistemas informatizados reflitam a suspensão definitiva dessa cobrança.
A decisão judicial foi proferida nessa quinta-feira (30/10), pelo juiz de Direito José Herbert Luna Lisboa, no julgamento da Ação Civil Pública proposta pela 45ª promotora de Justiça da Capital, Priscylla Maroja, que atua na defesa do consumidor. Cabe recurso da decisão.
A ação
Conforme destacou a promotora de Justiça, a ação civil pública foi ajuizada para proteger os direitos dos consumidores paraibanos que fazem uso de energia solar, em face da cobrança retroativa massiva do ICMS incidente sobre a TUSD, uma vez que houve o reconhecimento, pela própria Energisa, em 2021, por meio de denúncia espontânea apresentada à Secretaria da Fazenda do Estado da Paraíba, de um erro administrativo na interpretação do Convênio ICMS 16/2015, que indevidamente estendeu a isenção de ICMS aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição (TUSD) para clientes de geração distribuída nos anos de 2017 a 2021.
O erro levou a Energisa Paraíba a ajuizar a Ação de Consignação em Pagamento; a efetuar o depósito judicial de R$ 16,7 milhões em favor do Estado, e a iniciar, em 2024, um procedimento de cobrança administrativa extrajudicial contra os consumidores afetados para reaver os valores antecipados, violando, com isso, conforme defendeu o MPPB, o artigo 323, inciso I, da Resolução Normativa 1.000/2021 da Aneel e o artigo 6º, inciso III, do CDC.
“A Resolução da Aneel limita a cobrança administrativa por faturamento incorreto a apenas três ciclos de faturamento imediatamente anteriores ao ciclo vigente, vedando, portanto, a exigência extrajudicial de débitos que se estendem por quatro anos. Além disso, é flagrante a falta de transparência da Energia, pois os valores foram cobrados mediante boleto apartado, sem a apresentação de memória de cálculo detalhada e individualizada que permitisse ao consumidor conferir a origem e a exatidão da dívida, violando o direito básico à informação clara e adequada”, acrescentou a promotora de Justiça.
A sentença confirmou a tutela de urgência requerida pelo MPPB, com a qual os consumidores já haviam sido beneficiados, desde agosto de 2024, com a suspensão da cobrança retroativa de ICMS sobre a TUSD, referente ao período de setembro de 2017 a junho de 2021, bem como de encargos e outras medidas invasivas para cobrança da dívida, com destaque para a inscrição em cadastro de restrição de crédito ou interrupção do serviço de energia elétrica, até o julgamento de mérito da ação, sob pena de multa diária.
Em sua decisão, o magistrado destacou que o exercício do direito ao ressarcimento pela Energisa, prestadora de um serviço essencial em regime de concessão, está subordinado ao regime de proteção consumerista e à legislação setorial da Aneel. “Não se pode permitir que a distribuidora, sob o pretexto de exercer um direito de regresso, ignore as garantias mínimas necessárias para proteger a parte mais vulnerável da relação. A conduta da Energisa incorreu em prática manifestamente abusiva, nos termos do artigo 39, VIII, do CDC, por prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor-lhe o pagamento de débitos pretéritos de natureza complexa. A mera emissão de um ‘boleto apartado’ não desvincula o procedimento de ressarcimento da atividade essencial da concessionária e não serve como subterfúgio para escapar das regras regulatórias que visam equilibrar a relação, especialmente a regra temporal. Ao cobrar débitos de quatro anos (setembro/2017 a junho/2021) por via administrativa extrajudicial, a Energisa suprimiu a proteção temporal mínima conferida ao consumidor, surpreendendo-o com um ônus financeiro concentrado e desproporcional. A regulamentação do setor determina que, para débitos superiores a este prazo, a concessionária deve buscar o ressarcimento exclusivamente pela via judicial. A cobrança administrativa retroativa promovida é, portanto, ilegal e abusiva”, argumentou.
Para a promotora de Justiça, a decisão judicial foi assertiva, pois protege os direitos dos consumidores, que configuram o polo mais vulnerável da relação de consumo. “Essa é uma decisão importante e de abrangência aos consumidores que utilizam energia solar em todo o estado da Paraíba. O Ministério Público está vigilante para coibir qualquer tipo de violação pela Energisa, às normas do Código de Defesa do Consumidor e da Aneel, garantindo que o direito do consumidor seja uma realidade em nosso estado”, disse.



